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À Deriva

Éramos estreantes naquela intimidade

Desacostumados ao desespero do querer

Por ser o amor tão difícil, poderiam tê-lo por aproximação?

O desejo forçava a porta que o pudor tentava em vão segurar

Não haveria invenção em tudo aquilo?

Mas era exato e tanto

inconfesso amor

ausência de freios

quentura no corpo

embriaguez na alma

delicada pintura

traços arrebatados

correnteza

luzeiro

ventania.

Estavam à deriva em abrasado desatino

Aunque no pueda  parecer

és loucura

Em destaque

Bem vindos, a este lugar de devaneios

Pendulares

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos

O verbo tem que pegar delírio,… o que eu quero é fazer brinquedo com as palavras”

— Manoel de Barros.

Nada aqui é fixo, tudo oscila, o reino da gravidade onde tudo deságua e desaba, e por consequência flutua; a vertigem da palavra, o espanto da beleza, o delírio do verbo, travessia precária razão e loucura, desejo, gozo, celebração da dor; embriaguez do amor.

Acontecimentos

O inesperado
um acontecimento
com ou sem intenção
algo dispara

Pouco posso sobre o ocorrido
muito sobre o acontecido cá dentro

Indolente caminho entre a dor e o desatino

Nada em vão

Se o que dói não aumenta um bocado de ternura, um ensejo de coragem, uma réstia de simplicidade,
sofro em vão

Sim ou não

Estou onde me perco
o erro e a sorte
dando as mãos
embaraçoso destino
intento infalível 
extraordinário mistério
fraca flecha do cupido

Isto ou não

Amor, pronúncia breve
seu eco,  lume perene

Tudo que é grande é imprevisível 
guardei o medo
e com afã e afeto
lanço-me ao caminho do acaso

Riso

De repente você sorri
e o mundo faz-se leve, breve no rasgo do teu riso
o som que dos teus lábios ecoa faz acordar meu dia.
vem do peito à boca um súbito frescor de alegria
teu riso cura o que antes doía
suspende meu cansaço
abrevia minha agonia

aqui, ali uma paisagem cheia de sol
principia
abre a porta dizendo, aqui estou!
sem querer nada vai mudando tudo
basta ter o teu riso
e o milagre se anuncia

Sísifo

O inesperado
um acontecimento
com ou sem intenção
algo dispara
Pouco posso sobre o ocorrido
muito sobre o acontecido cá dentro

Indolente caminho entre a dor e o desatino
Nada em vão
Se o que dói não aumenta um bocado de ternura, um ensejo de coragem, uma réstia de simplicidade,
sofro em vão
Sim ou não
Estou onde me perco
o erro e a sorte
dando as mãos
embaraçoso destino
intento infalível
extraordinário mistério
fraca flecha do cupido
Isto ou não
Amor, pronúncia breve
seu eco, lume perene
Tudo que é grande é imprevisível
guardei o medo
e com afã e afeto
lanço-me no caminho do acaso

sentei para escrever um poema

sentei para escrever um poema 
dei voltas em algumas verdades 
vaguei por alguns sentimentos
não me vinha nada

recorri então ao amor. 
nenhuma chance. o amor, neste dia, morrera queimado junto as árvores e bichos, se explodira na ponta do fuzil do atirador da elite. 


escreveria então sobre isso, a violência,
entretanto as palavras saiam duras, sem contornos. este assunto já se tornava tão corriqueiro que eu não conseguia avançar duas linhas. 


pensei em escrever sobre a banalização do mal, a indecorosa comemoração do governador por mais uma morte transmitida ao vivo, mas declinei logo da ideia. um ser assim tão abjeto não merecia figurar em nenhum poema.

decidido, escreveria sobre o sexo, o desejo, a volúpia dos corpos se tocando, se querendo, mas me encontrava tão exausto pela odisseia do dia que não conseguia gozar com as palavras

continuava na espreita do poema que não se fazia

adiante, dei de cara com o tempo, o tempo sempre deu ótimos poemas, esperei, peguei uma taça de vinho, esperei… esperei… as horas brancas e longas … nada, nenhuma ideiazinha sequer.

bom, o jeito era mesmo desistir do poema e ir dormir. só esperava acabar o vinho. entre um gole e outro sentia a cabeça pesada, ideias andando em círculos brancos e vazios. 


na rua o silêncio instaurado acentuava os ruídos da cidade 
os sons espaçados poderiam servir  de gatilhos para o dificultoso poema

um carro passa.

um latido rouco do cão vira-lata que se estranha com o jovem bêbado que voltava da passeata em homenagem aos 30 anos sem Raul.

um apito do guarda de bicicleta que ajuda os moradores da rua a se sentirem menos inseguros. 


um som estridente da moto de um entregador do Uber eats, que prefere trabalhar de madrugada para aumentar os ganhos e escapar do trânsito, e passa no farol vermelho para entregar mais uma pizza com o queijo revirado. 


uma discussão repentina do casal do 411, que briga acintosamente por causa de uma conversa comprometedora do Whatsapp  esquecida aberta na tela do computador. 
as imagens chegavam como vagões do metro, mas não se faziam matéria de poesia

teria que jogar tudo pro alto, meter o pé. 
escrever em meio ao caos, na desordem das coisas, no desespero da falta de motivos. 
Todavia se insistisse em escrever,  se perdesse a noção do ridículo, o poema sairia torto 
não teria compaixão, não estimularia o êxito, não aliviaria  ninguém do peso de existir
nele as palavras não fariam amanhecer
nem apaziguaria a dor da rapariga abandonada
não exaltaria a beleza, nem haveria epifanias, não evocaria a esperança 
não louvaria a pátria, não acreditaria em heróis, não inflaria bonecos gigantes de palavras, nem promessas de salvação 


por ser coisa tão à toa, torta na falta de grandezas me pegaria pela mão e me conduziria ao despropósito da brincadeira. 


mas o sono venceu esta teimosia e este poema nao se fez.

impermanência

Ele
a queria pra si
Aquilo lhe doía, de tanto que a queria.
Sentia o desejo que urgia avolumando-se,  lhe queimando a língua, lhe doendo as retinas, lhe apertando o estômago. Queria se abreviar em sua pele.

Ela 
sentiu-se lisonjeada mas era uma lisonja de recusa, não sabia distinguir alegrias porque até ali só conhecera o desfortunio e suas cicatrizes lhe eram feridas abertas, mágoas expostas, gritos de abandono. 
Ele 
estava para o sozinho no mundo. 
Ela 
achou que com aquilo podia experimentar um pedacinho de felicidade, sem se apegar a falsa ideia de permanência. Era a aceitação de sua própria condição. Sua vingança à tantas restrições das coisas na vida. 
Ele
preciptava-se com promessas de que seria diferente, que seria cuidadoso.

Ela
estava tão agreste que dispensava cuidados, não esperava delicadezas. Queria era se lambuzar,  se afogar em fluxo quente, queria escorrer tantos líquidos guardados, matar a sede, alimentar sua devassidão. 
Ela não sabia amar com decoro. Cedeu seu eu,  se deu.

Em torno do corpo o quatro, em volta do quarto o mundo. 
Beijaram-se,  morderam-se, comeram-se, incomodaram os vizinhos com loucos gemidos, acordaram o bairro com mil palavrões, escandalizaram a cidade com tamanha depravação, incendiaram o mundo com tanto prazer. 
A cama dançava, o quarto queimava, em meio as labaredas, seus corpos ensandecidos, hábeis, ágeis, escorregadios,  ensopados, penetrando-se até a exaustão. 
Depois na fuligem do silêncio
Soltaram-se ofegantes
( )
Um abismo os engolui. ( )
Ficaram ali, largados, recolhendo sobras do que restou, num limiar onde tudo se esfumaça.

Nutriam-se da revelação que o gozo lhes fornecia.
Qualquer gozo era preferível a ter a vida banhada no medo e na duvida.

Um ao lado do outro somavam-se na vontade de ter seus corpos menos só. 
Na trégua da dor davam um passo rumo ao silêncio. Caiam dentro do absoluto.

Paulo Williams
(Processo de um conto inacabado )

invento meu rio

invento meu rio

Invento em mim

correntezas

invento meu rio

seus desvios

cascatas

a força das águas

o peso da queda

invento meu rio

que rola perigoso

Invento meu rio

meu rio ri

das graças

das garças

dos tombos

dos baques

meu rio me engole

destila seu hálito forte

Invento meu rio 

serpenteando solerte

entre grotas e matos

Invento meu rio

Invento seu ritmo faceiro

sua recusa à inércia

Sua insistência ao risco

seu contorno de beleza

sua imensidão de carícias

Invento meu rio

invento meu rio escorregadio

de longas beiras

Sem pedir licença para correr

Invento meu rio

Invento meu rio que vagueia errante

Que se vai 

vertendo saudade.

invento meu eu rio

me faço barco e remo

a esmo

eu rio a re-mar

re-amar no mar

Aquele pedaço

Ela fazia planos em frente ao mar, depois de ter pulado as sete as ondas e desejado o melhor de si para os dias vindouros.

O vai e vem da maré embalavam seus pensamentos e lhe enchia de esperança.  Esperaria ali na praia o sol que surgiria delicadamente anunciando um novo dia, com preságios de um ano bom.

O sol timidamente despontou na barra entre nuvenzinhas distraídas e o céu tingiu-se de cor. 

Junto àquela imagem de absurda beleza a  presença inevitável do imponderável.

Tempestades se moviam silenciosamente em seu corpo e desaguariam, sobre ela, os seus despropósito.

Tudo parecia vir sem motivo de  razão.

Num intervalo curto de tempo saía de um porto que conhecia para outro porto equidistantes que ignorava.

Se equilibrava na precariedade da fé, pêndulo oscilante de certezas vãs.

Precisava seguir. 

Movia-se, porque estava viva.

Para onde?

Naquele instante esta terrível  pergunta parecia uma  eternidade.

Para que?

Se deu conta que até aquele momento nunca tivera se atentado para a dimensão de perguntas tão simples e comprometedoras.

Se tudo que nos cerca se torna parte de nós, o que levaria nesta travessia?

Cortou parte de si, fósforo queimado.

Haverá de seguir faltando aquele pedaço.

creia

 amor é um quase tocar os dedos

é um instante suspendendo meu céu

amor é  fogo no cerrado, faísca incendiária

 é o nome  fácil do que se complica

clareza do dia em noite sombria

amor é modinha dolente de encanto e solidão

é um farta-se e nunca  saciar-se

é um perduar  já partindo

é palavra arranhando a garganta, fúria

é calor, substancia, luz, combustão, os seus lábios nus

é sangue na veia, água moldando pedras

amor é dente de leão levado pelo vento

é redemoinho, lâmina que talha

soluços que saltam

é vento cortante na boca da noite

alvoroço, arrepios

é corpo de moça despido no clarão da lua tão pura

amor é querência de tudo e pertença de nada

amorsina, amormente

creia,amor fala

creia e cala.